Uma das coisas que mais me chamam atenção nos sertanejos é a fé entranhada nos seus valores e costumes. E se tem um lugar que melhor represente a religiosidade sertaneja é o Juazeiro do Norte, no Ceará. Terra onde viveu e morreu Padre Cícero Romão, o “santo do sertão”.
Desde que comecei a escrever para o “Somos Muitos Severinos”, sempre tive vontade de relatar minhas observações sobre essa fé. E assim eu estou fazendo.
Eu não sabia por onde começar essa matéria – que tanto custou para ser escrita. Só sabia que, se era pra começar, antes de tudo eu teria de viajar. Não perdi tempo. Arrumei minhas coisas e parti rumo ao Cariri, na minha “romaria-informativa”.
Saí de Recife numa quarta-feira, às 6h. O sol já me acompanhara, aliás, o sol foi minha (dura) companhia durante todos esses dias. No chacoalhar do caminho já comecei a rabiscar os primeiros resquícios desta matéria. As primeiras frases que se desenrolavam no meu caderninho eram, na verdade, reclamações sobre as péssimas condições do asfalto em alguns trechos da viagem, tanto no território pernambucano quanto no cearense. Aqui estão reclamadas!
Da janela do carro eu observava as cidades, os distritos e as vilas por onde passávamos. Umas, grandes, desenvolvidas; outras, pobres, esquecidas. Mas eram exatamente as casinhas abandonadas ao nada, nos mais distantes e inimagináveis lugares, os alvos das aflições. Discutíamos – eu e minhas companhias de viagem – como sobreviviam aquelas pessoas que ali moravam. “Quando sente uma dor, como esse povo é socorrido?!”, retrucava um. “Apelam para Deus”, respondia outro.
Ah, a fé! Sempre a fé. Talvez seja ela que realmente dê forças àquelas pessoas abandonadas, esquecidas, lamentadas, mas crentes - acima de tudo!
Seguimos por mais quatro horas, e já estávamos no Ceará. A placa anunciava os caminhos. A entrada da cidade já mostra que Juazeiro não é mais um lugarejo, ou vila, ou “casinhas abandonadas ao nada, nos mais distantes e inimagináveis lugares”, como os que eu vi na estrada.
Juazeiro apresenta a modernidade e o desenvolvimento de uma grande cidade de interior. Ginásio esportivo, shopping center, faculdades particulares (inclusive de medicina), universidades públicas, supermercados, hipermercados, afiliada de rede de televisão etc.
Quando cheguei ao centro da cidade pude ver ainda melhor o desenvolvimento do lugar. Um comércio bastante “surtido” - como se diz por lá - no que se refere ao grande número de lojas dos mais variados tipos de produtos, com destaque nas vendas de joia e couro. Um formigueiro de pessoas. Gente de tudo que é lado. Tudo isso com fundo-musical religioso e publicitário disseminado pelos alto-falantes das rádios locais, colocados, estrategicamente, nos postes das ruas.
E, no meio da agitação das ruas, eis que surgem os paus-de-arara trazendo os romeiros. São dezenas desses caminhões, somados a outras dezenas de ônibus que trazem turistas de diversas partes do nordeste e do Brasil.
Sendo, então, a fé sertaneja o foco da minha matéria, foi um pau-de-arara que transformei em meu “guia” de viagem. Eu sabia que entre aquelas várias pessoas que estavam naquele caminhão, histórias interessantes surgiriam para o desenvolver do meu texto e da minha visão de mundo. Perguntei se poderia segui-los e me permitiram (com a contrapartida de que não seriam fotografados e/ou filmados - tinham vergonha). Eles estavam indo ao Horto (que recebe esse nome como referência ao Horto das Oliveiras, presente nas passagens do cristianismo), e foi para lá que eu fui!
É no Horto que estão o quadragenário Monumento do Padre Cícero e o Museu Vivo. Neste último, são reconstruídos, através de imagens de cera, em tamanho real, momentos marcantes da história do religioso, como, por exemplo, o momento em que, segundo os fiéis, a hóstia consagrada pelo Padre transformou-se em sangue na boca da Beata Maria de Araújo. O local fica a alguns poucos quilômetros do centro de Juazeiro, e é o destino obrigatório de todos os romeiros e turistas que visitam a cidade.
Durante a subida das escadarias do Horto, conversei com uma das romeiras do grupo que eu estava acompanhado. O nome dela era, coincidentemente, Severina. Dona Severina Pereira da Silva. Uma senhora de 65 anos, moradora de Exu, Pernambuco, que , a princípio, me chamava atenção pela roupa que usava (uma espécie de hábito preto, que cobria seu corpo inteiro) naquele calor escaldante do sertão, e que continuou a chamar minha atenção pelo motivo que a levava ao Juazeiro.
Dona Severina estava ali para agradecer ao Padre Cícero pela cura do câncer de sua filha. “Minha filha ia perder o peito. Os médicos já tinham desanimado. Mas eu me ajoelhei na frente de uma imagem de ‘Padim Ciço’, que tenho em casa, e implorei pra ele me ajudar. E minha foi curada, graças a Deus!”, narra, emocionada, a romeira, que, logo ao chegar diante da estátua do Padre, se ajoelhou e deu início ao seu rosário.
Horas depois, a roma ria continuou. Nossa segunda parada foi o Pátio do Socorro, já no centro do Juazeiro . Lá ficam localizados o Memorial Padre Cícero, a Capela do Socorro (onde está enterrado o corpo do Padre) e o cemitério da cidade. É também nessa praça onde são realizados os grandes eventos religiosos da região, e, acreditem, onde fica a casa do Seu Lunga – aquele “bem-humorado”.
Mais orações, e mais histórias. Desta vez meu entrevistado foi o agricultor Antônio Oliveira da Silva, 62, também morador de Exu. Ele estava no Juazeiro para pedir ao “Padim” que fizesse chover no sertão. “Tem mais de mês que não chove
O céu começou a escurecer. Estava na hora dos romeiros irem para a pousada deles, e eu para a minha. Agradeci pela companhia e desejei boa-viagem a eles. E a resposta foi: “Deus te abençoe”. Amém!
Logo que cheguei ao meu quarto comecei a rabiscar anotações que seriam interessantes para minha matéria. As histórias que eu havia escutado naquele dia não me afastavam a visão de sofrimento que eu tinha do povo sertanejo, mas me faziam somar a essa ideia uma verdade que encontrei nas palavras de Euclides da Cunha: “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”. De fato. O sertanejo é antes de tudo um forte, fortalecido pela fé e pela esperança que possui.
No outro dia – último da minha viagem – fui fazer compras. Queria comprar uma imagem de Padre Cícero e trazê-la para minha casa – não foi muito difícil de achar, pois por todos os cantos havia uma. Durante a compra perguntei à jovem vendedora que me atendeu o que ela espera do futuro, e, rápida e profeticamente, veio a resposta: “O futuro a Deus pertence!”. Assim seja!
Voltei ao Recife trazendo cada imagem, cada história, cada personagem e a mesma certeza de Manuela no final de sua matéria “Câmera na mão, mochila nas costas e disposição para conhecer os vários mundos de uma mesma região”: Somos todos Severinos. Severinos salvos pela fé, pela devoção e pela esperança no que ainda está por vir. E a força do nordeste está, sem dúvida, na fé do seu povo.
Postado por Mateus Araújo, colaborador.
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