Três mil quilômetros em sete dias. Essa foi a mais recente aventura que vivi nas estradas de Pernambuco. Destino: Sertão do Araripe. Local inimaginável para os viciados no habitat da “selva de pedra”, intrigante para os justos de coração, lindo para os de alma sensível. Para mim, inimaginável, intrigante e lindo. Resumo dos sentimentos: prato cheio para a curiosidade de uma jovem jornalista que aprende muito nas andanças sem preconceitos.
Em apenas quatro cidades foi possível perceber que existem vários mundos em uma mesma região. Inúmeros dialetos e um português que reforma ortográfica nenhuma dará jeito. Em Salgueiro (distante 515km do Recife), conheci o “velho” Cobra Choca. Um senhor de 60 anos, com cara de 75 e disposição de 30. Dono de um ferro velho, brabo feito um touro e mais disponível do que qualquer irmã de caridade. No comércio de Cobra, além de vender peças usadas de carro ele também compra “ALUMINHO”. No hotel Mustang (nossa casa por uma noite) o cartaz já desbotado, “pregado” na parede é direto: “servimos sopa e suco todos os dias”. No surrado lambe-lambe grudado nos muros da cidade o anúncio: “dia 11 de julho, no Talismã Hall, Sthefany (ela mesma a musa do Cross Fox que bombou no youtube).” Uma surpresa a cada virada, um aprendizado social a cada olhada mais profunda naquele mundo.
Partimos para Cabrobó (distante 531km da capital pernambucana), o nome de origem indígena significa “árvore de urubus”. O município foi fundado em 1928 e no dia 11 de setembro (coincidentemente dia do meu aniversário) comemora a emancipação política da cidade. Chegamos a Cabrobó com as piores referências possíveis. Infelizmente a cidade ganhou fama por pertencer ao “Polígono da Maconha” (região com grandes plantações de maconha, responsável pelo abastecimento da droga no Nordeste e outras regiões do país) o que, pela mídia, a tornara um lugar muito violento.
Mas, na verdade, o que encontramos em Cabrobó foram pessoas orgulhosas de serem cabroboenses, de delicadeza e criatividade (percebemos que é uma característica dos sertanejos) impressionantes. Criatividade esta talvez fruto da globalização truncada que chega aos lugares mais remotos do Nordeste, através da TV, rádio e também da internet (no Vip Hotel, nossa casa também por uma noite, a pequena lan house estava sempre lotada). Máquina em punho é chegada a hora de registrar a veia publicitária dos sertanejos. A sapataria “KALCEBEM” foi a primeira a ser registrada e me deu a certeza que encontraríamos outras manifestações maravilhosas que ebulem desse caldeirão de informações e misturas. Em frente a uma oficina li atentamente a placa que informava o funcionamento do lugar, não que estivéssemos precisando consertar o carro, mas porque o olhar de jornalista não consegue sossegar. E ela dizia assim: “consertamos radiadores todos os dias, com exceção do sábado”
Apesar da invasão das motocicletas nos interiores do país, depois de uma volta na pequena feira a comprovação de que o jegue (jumento, mula, burro...animais iguais, mas diferentes) ainda tem seu espaço garantido. Em Cabrobó eles fazem o transporte das mercadorias compradas na feira. A placa sinaliza: “Frete a 1 real”. Mais genial ainda é o lava-jato. Nas margens do rio São Francisco jangadas, lavadeiras, crianças e carros dividem o espaço em total harmonia. E mais, uma réplica da “brasília amarela” cantada pelos eternos jovens do Mamonas Assassinas desfila por todos os points com o sugestivo nome de “Fofinha”.
Administrativamente, Cabrobó é formada pelo distrito sede e pela área indígena (da tribo Truká), mais conhecida por “Ilha”. Moradores também globalizados. Referencial indígena por aqui, só mesmo a escola em forma de oca, mas com um detalhe: uma oca de concreto.
Partimos para o nosso destino final, Araripina. Última cidade de Pernambuco pelo caminho da BR 232. Distância: 725km do Recife. A terra do gesso (Araripina é o maior pólo gesseiro do país) e da farinha de mandioca é a mais desenvolvida que visitamos, sem muitas surpresas ou particularidades. No entanto, é só percorrer mais 30km da Chapada do Araripe, atravessar a divisa e andar atento pela cidade de Marcolândia, no Piauí. A sensação é de que viramos personagens de um clássico filme de faroeste. A poeira proveniente da falta de asfalto toma conta da cidade. A porta de entrada do Estado vizinho parece congelada no tempo. O barro vermelho em suspensão que passeia, através do vento, colore a paisagem, as roupas, a pele e tudo mais que estiver ao seu alcance. Só não colore e cega a criatividade do povo. A casa funerária apostou em um nome comum, “Vida Nova”. Mas a imagem agregada ao outdoor é impensável: dois lindos bebês em um momento da mais absoluta paz e tranquilidade.
Descobertas, sensações, diversão, conhecimento, aprendizado e a constatação mais importante: Somos todos Severinos.
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